sexta-feira, 17 de setembro de 2010

POESIA DO DESESPERO - PÓ E CINZAS




E ela, para mim, sorriu
Na berma daquela estrada.
Mas envelheceu e ruiu
Ali jazia, abandonada.

Do todo que a constituiu
Resta apenas uma parte
Foi tudo o que resistiu
Já não é obra de arte.

Não sei a quem serviu
Já não serve para nada.
Alguém a construiu
De madeira talhada.

Algo que eu nunca vira
Talvez para ser recordada
Alguém nela esculpira
A sua vida, gravada.

O tempo em que existiu
Qual era a sua morada.
E o dia em que ruiu
De velhice não cuidada.

As gerações que uniu
Naquela casa azarada.
Mas com elas compartiu
Da vida, o tudo e o nada.

O desgosto que sentiu
Numa noite desgraçada.
Quando alguém nela caiu
Uma morte inesperada.

E noutra noite se cobriu
Em lágrimas se viu banhada.
Uma torrente que saiu
De uma face desesperada.

E ela, impotente, assistiu
Ao pranto, à desfilada.
De uma amante que descobriu
Que sempre fora enganada.

E ela que nunca traiu
Como se sentia humilhada.
Também nunca mentiu
A ingénua, desamparada.

E desta forma se abriu
Para mim, a velha escada.
Como que pressentiu
Sua existência esgotada.

E que bem ela o previu
Como estava preparada.
Um incêndio a consumiu
Desfeita, jaz calcinada.

E um lamento se ouviu
Uma verdade recordada.
Em pó está, a quem serviu
Em cinzas a velha escada.