Espreitando à janela da vida
Observam, calmos, quem passa
Lançando olhares de fugida
Só esperam que a noite se faça
Não estão, decerto, a pensar
A janela é o seu lazer
Vigiam o tempo a passar
Nada terão para fazer
Não lhes dói a existência
Não pensam na temporalidade
Não lhes falta a paciência
Não lhes importa a verdade
Do seu posto vêem gente
Juízes, políticos, ladrões
Que ali passa, indiferente
Sem despertar emoções
Que pena tenho de mim
Por ali circulo, apressado
Quem me dera ser assim
Não viver tão despertado
Viver só o momento
Sem nada me preocupar
E não me causar sofrimento
O acto, humano, de pensar
Ser como o povo que diz:
Que comer, beber, fornicar
Faz um homem feliz
Que maçada, ter que sonhar
Quando argumento, confiante
“Isso faz qualquer animal”
Responde-me o ignorante
“Não vives no mundo real”
E o gato que para mim olha
Parece que me quer dizer
Que não terei outra escolha
Que como ele, irei morrer
E sendo assim que se expire
Bem tranquilo e anafado
Importa só que se respire
Há que morrer saciado
“Mas porque estás espantado?
E olhas, para mim, arrogante?”
Por momentos desarmado
Respondo, um pouco hesitante:
“É que procuro o alimento
O do espírito, me importa
Não posso perder um momento
A morte me baterá à porta
E tu cão, porque viraste?
Para outro lado, o focinho?
O que de mim achaste?
Talvez que um coitadinho
Quem sabe tenhas razão
Porque ter que ser consciente
Desafia a inquietação
Perturba, afecta, a mente
É que não ser indiferente
Pensar, estar vivo, lutar
Faz-me marchar, ir em frente
Progredindo, ao batalhar
Combato a acomodação
O pensamento manipulado
Apodrecer na estagnação
Viver neutro, anestesiado
Seguindo, porque outros seguem
Caminhos trilhados, sinuosos
Pesadelos que os perseguem
Porque não são curiosos
E os porquês, procurar
Abanar, banir o destino
A normalidade recusar
Ser, às vezes, menino
Não me deixar normalizar
Não me arrastar pela vida
Não a ter que lamentar
Quando chegar a partida
Lastimar tê-la perdido
Não ter feito ondas, flutuar
Ter existido, adormecido
Mais um neutro, a sepultar
E que no meu funeral
Em palavras de circunstância
Ninguém diga, no final
Em evolução, ficou na infância
E depois de tudo acabado
E com votos de eterna paz
Que ninguém na tumba, cravado
Escreva isto, num cartaz:
“Quem aqui está enterrado
Comeu, bebeu, defecou
Cessou a vida, realizado
Sempre que pôde, fornicou”
E vós, minha senhora
Assim de negro, vestida
Não desperdice uma hora
Do milagre ímpar, da vida
Que a minha, igual à sua
Poderá, até, ser maior
Mas a mirar, assim, a rua
Será, decerto, menor
Porque se irá arrepender
De a ter deixado escapar
Vai, um dia, compreender
O que não quis aproveitar
Mas permita que a felicite
Por estar bem acompanhada
Mas aceite o meu convite
Não fique aí, assim, parada”
Sem tempo para terminar
O que tinha para lhe dizer
Começa, então, a contar
O que dali podia ver
“Por aqui passam juízes
Imponentes, majestosos
Senhores dos seus narizes
Ridículos, pouco amistosos
E circulam prostitutas
E outras que são, mas não são
E passam ciganas astutas
Que insistem em me ler a mão
E passam padres rezando
Por eles ou por outro alguém
Ás vezes, crianças chorando
Fugindo da tareia da mãe
Vejo amantes de ministros
Rapazinhos dos magistrados
E pedófilos pérfidos, sinistros
Que mereciam ser castrados
E drogados de olhar vidrado
Roubando, para satisfazer
Um vício estúpido, desgraçado
Sofrem eles e fazem sofrer
E traficantes, bem trajados
Deambulam, em limusinas
E para se fazerem anunciados
Fazem soar as buzinas
E travestis de andar afectado
Gesticulando, imitam meninas
E o habitual desempregado
Mãos nos bolsos, às esquinas
E a mulher do advogado
Esfaqueando o casamento
Enquanto o marido, ocupado
Em manobras com um sargento
E o padeiro, e o homem do gás
E o carteiro com a correspondência
Todos contribuem para a paz
De quando em vez, dão assistência
O polícia passando multas
E o bêbado, caído no chão
O deputado que exulta
A mala do suborno, na mão
E o autarca, farejando
Donde pode sacar dinheiro
Umas taxas, vai magicando
É sócio de um cangalheiro
E um atraiçoado marido
Empunhando um pistolão
Um amante perseguido
Ainda com as calças na mão
E os patriotas, carteiristas
Os vejo, afundar a mão
Na malinha das turistas
São divisas para a Nação
Mas também há gente boa
Perante mim, a desfilar
Ainda habitam em Lisboa
Mas que tendem a acabar
E podia contar mais
É este o local ideal
Aqui assentei arraiais
É o palco da vida real
E quanto a si, preste atenção”
Avisa-me, o dedo apontado
“Não me dá nenhuma lição
Vá filosofar para outro lado
E ponha-se, depressa, a andar
Não vá o meu homem aparecer
O sarilho que pode arranjar
Nunca mais se vai esquecer”
E para mim, ainda a gritar
E armando ali um escarcéu
Diz-me para tentar achar
Que vá procurar o céu
O que as mulheres têm e eu não
Que é a mola da vida real
Que tente achar motivação
No centro estratégico universal
E depois de muito pensar
Tão intrigado, estarrecido
Para onde me estaria a mandar?
Do que andava eu esquecido?
E QUE TUDO O MAIS VÁ PARA O INFERNO
Centro Estratégico Universal - CEU
É este o céu que há na terra
É aqui o centro do mundo
Por ele se faz a guerra
Sem ele se vai ao fundo
Por ele me baterei
Agora que fui acordado
No tempo que ainda terei
A ele, serei dedicado
Tudo o resto, é fantasia
Não passa de diversão
O centro à noite, e de dia
Já basta de distracção
Ele é o remédio que cura
A mais violenta depressão
Ai de quem o não procura
Não sabe o que é emoção
Porque ali, tudo começa
Ele é o ponto de partida
A ele, até que feneça
Sem ele, não haveria vida
PEÇO PERDÃO, MAS ISTO É A VIDA
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