Na barca dos surdos lamentos
Delira minha alma, embarcada
Habita seus últimos momentos
Nas margens da vida, encalhada.
Entrincheirada na mudez
Não pensa nem liga a nada
Nem lhe importa a nudez
De ilusões despida, gelada.
No fim do meu rio, esgotada
Nas ondas se vai afogando.
Vai aguardando pelo nada
Que o nada já vem chegando.
Traz no porão reveses
Mágoas e sonhos perdidos.
Ainda soltou, por vezes
Não escutados gemidos.
E teimando, carregada
Recusa desencalhar.
Porque da carga alijada
Voltaria a navegar.
Mas tendo o casco decrépito
De pancadas das circunstâncias
Abdica, sem grande estrépito
Vacila, sem haver constâncias.
E aguarda, limita-se a estar
Obedece, imóvel, indolente
Às vagas que vêem fustigar
A sua armação decadente.
E assim de maltratada
De mil impactos padecer
Será, um dia, esventrada
Em mil pedaços se desfazer.
E todas as suas mágoas
E penas de amor ausente
Se espalharão pelas águas
Vaguearão, eternamente.
Mas talvez que em Nações
Por Mares e Oceanos cercadas
Se possam escutar orações
Se acaso forem encontradas.
E nos mares cheios de penas
Que boiando e se achadas
Que se alinhem, às centenas
Cânticos às almas danadas.
Odes aos tormentos sofridos
Pela minha alma espancada
Que suspenderá seus gemidos
E navegará, por fim, libertada.